Na série Varadouro, a artista nos convida a percorrer trilhas que não apenas cortam a mata, mas também atravessam a memória, o tempo e o sensível. Cada painel é um fragmento de floresta — não como paisagem estática, mas como organismo pulsante, onde cores saturadas e texturas pontilhistas evocam o movimento da luz, o sopro do vento e o silêncio que fala.
O termo “varadouro” carrega em si a ideia de passagem, de abertura entre o denso. É o caminho feito por quem insiste em atravessar. E é exatamente isso que a série propõe: uma travessia visual e emocional por entre árvores altas, trilhas sinuosas e clareiras que se revelam como respiros. Há uma poética do deslocamento, onde cada cena parece guardar um segredo — ou uma lembrança — à espera de quem olha.
A técnica utilizada, com pontos vibrantes e sobreposições cromáticas, transforma a natureza em linguagem. O verde não é apenas vegetação, mas desejo de permanência. O amarelo, luz que guia. O azul, sombra que acolhe. E o vermelho, talvez, o coração da mata.
Varadouro é mais do que uma série de paisagens: é um convite à contemplação ativa, à escuta do que não se diz, ao encontro com o que se perdeu — ou ainda se pode encontrar. É arte que caminha, que abre clareiras dentro de nós.
Temas centrais para destacar
Travessia e deslocamento: O varadouro é o caminho aberto na mata — uma metáfora para jornadas internas, mudanças e descobertas.
Natureza como linguagem: A floresta não é só cenário, mas personagem. Ela fala, guarda, revela.
Memória e ancestralidade: Os caminhos sugerem histórias passadas, pegadas invisíveis, heranças afetivas.
Resistência e permanência: Mesmo diante da densidade, há passagem. O mato cede, mas também protege.
Contemplação e pausa: Os tons vibrantes e a técnica pontilhista convidam à desaceleração, à escuta do silêncio.
Emoções que ressoam
Encantamento: As cores saturadas e composições evocam um fascínio quase mágico pela paisagem.
Saudade: Há uma melancolia sutil, como se cada trilha guardasse algo que já foi.
Curiosidade: O espectador é instigado a “entrar” na imagem, seguir o caminho, descobrir o que há além.
Reflexão: Os varadouros provocam perguntas: para onde vamos? O que deixamos para trás?
Pertencimento: A mata como território afetivo, como abrigo, como origem.
E,ainda:
Para embasar teoricamente a série Varadouro dentro do campo da arte contemporânea, podemos recorrer a conceitos que dialogam com paisagem como linguagem, experiência sensível, território e memória, e processos de travessia.
Travessia como método
A ideia de travessia — central na série — encontra eco na obra de Lygia Clark, que via a arte como experiência transformadora, e em Hélio Oiticica, que propunha o corpo como agente ativo na obra. Em Varadouro, o espectador é convidado a percorrer visualmente trilhas que remetem à jornada interior, à busca por sentido, à abertura de caminhos no denso da existência.
Paisagem como linguagem
A paisagem, na arte contemporânea, deixou de ser representação naturalista para se tornar campo simbólico. Pensadores como Denis Cosgrove e Augustin Berque tratam a paisagem como construção cultural, onde o olhar molda o território. Em Varadouro, a técnica pontilhista e as cores saturadas criam uma linguagem própria — quase cartográfica — que revela o invisível da floresta: suas memórias, seus silêncios, seus afetos.
Memória e território
A série também dialoga com artistas como Rosângela Rennó e Nuno Ramos, que trabalham com a ideia de memória como matéria plástica. Os caminhos pintados por Pedro Paulo evocam não apenas deslocamentos físicos, mas trajetos emocionais e históricos, como se cada trilha guardasse vestígios de quem passou, de quem partiu, de quem permaneceu.
Pintura como gesto contemporâneo
Em tempos de arte digital e instalações multimídia, a pintura permanece como gesto radical. Como afirma Yve-Alain Bois, a pintura contemporânea não é resistência ao novo, mas reformulação do olhar. Varadouro se insere nesse contexto: uma pintura que não ilustra, mas instiga, que não decora, mas desloca.
Numa análise descritiva da Série Varadouro temos:
Um conjunto de paisagens estilizadas que exploram a relação entre o espectador e o espaço natural por meio de trilhas, florestas e caminhos sinuosos. Cada obra é construída com uma técnica pontilhista contemporânea, onde pequenos pontos de cor vibrante se acumulam para formar texturas densas e luminosas.
Composição e estrutura
As imagens são organizadas em painéis verticais e horizontais, sugerindo sequência e continuidade, como se cada trecho fosse parte de um percurso maior.
Os elementos centrais — árvores altas, trilhas, clareiras e cursos d’água — são dispostos de forma a guiar o olhar, criando uma sensação de movimento e profundidade.
Há uma alternância entre espaços densos e abertos, que provoca pausas visuais e sugere respiros dentro da narrativa pictórica.
Técnica e cor
A aplicação pontilhista, com sobreposição de tons saturados, cria uma superfície vibrante e quase tátil.
As cores predominantes — verdes, amarelos, azuis e vermelhos — não seguem uma lógica naturalista, mas sim expressiva, evocando estados emocionais e atmosferas subjetivas.
A luz é fragmentada e difusa, como se filtrada pelas copas das árvores, criando áreas de brilho e sombra que intensificam o mistério da paisagem.
Atmosfera e sensação
As obras transmitem uma ambiência contemplativa, onde o silêncio da mata é quase audível.
Há uma tensão entre o acolhimento da natureza e o desconhecido do caminho, sugerindo que cada trilha é também uma travessia interior.
A repetição de elementos arbóreos e trilhas reforça a ideia de ritual e persistência, como se o ato de caminhar fosse também o de recordar, resistir ou buscar.
Entre folhas e silêncio,o caminho se revela,não como destino,
mas como desejo de permanecer.