O semeador (2019)
sob o verde que canta vida, o semeador não cultiva apenas plantas —cultiva o futuro em silêncio e a poesia da fé diária.
A figura do semeador, tradicional na arte e na literatura, aparece aqui como símbolo de renovação, esperança e trabalho ligado à terra. Ele representa aquele que planta não apenas sementes físicas, mas também ideias, afetos, valores e culturas. A postura do corpo e o movimento do braço lançando sementes evidenciam uma ação contínua, quase ritualística, carregada de intenção e cuidado. Nesta pintura, Flavio Dutka invoca com vigor poético a figura do semeador — símbolo milenar da esperança e do gesto essencial que antecede o florescimento.
📌Dutka trabalha com uma paleta vibrante e etérea: O fundo azul-violeta remete ao céu, talvez ao amanhecer ou crepúsculo, sugerindo transição e tempo cíclico.
Os tons verdes do solo indicam vida e crescimento, reforçando a ligação com a natureza fértil.
As manchas coloridas e pontos brancos evocam as sementes e também elementos mágicos ou poéticos — quase como se o semeador lançasse estrelas ou sonhos no campo, numa fusão entre real e imaginário.
O artista mistura técnicas de desenho com pintura, combinando linhas fluidas, manchas aquareladas e salpicos que criam uma sensação de leveza e movimento. A escolha do chapéu grande, da roupa estampada e da ausência de detalhes faciais traz uma anonimidade universal ao personagem: ele pode ser qualquer um, em qualquer lugar — um símbolo humano da perseverança.
Entre o céu e o chão, ele lança sementes como quem espalha estrelas — o semeador de Dutka não apenas cultiva a terra, mas também o futuro.
O semeador como imagem poética do fazer artístico
A arte, como o ato de semear, é um gesto que lança possibilidades no tempo. O artista é o semeador de imagens, ideias e afetos. Assim como o trabalhador da terra lança sementes na esperança de que algo floresça, o pintor espalha cores e formas em campos invisíveis — confia no olhar do outro como solo fértil.
Na obra de Flávio Dutka, o semeador é mais que uma figura rural: é um arquétipo universal. Ele carrega em si o símbolo do que é plantar o presente com os olhos voltados ao futuro. É corpo em movimento, linha curva que dança com o espaço, um braço que não apenas cultiva, mas cria vínculos entre o humano e o natural, entre o gesto e o mistério.
O fundo azul que se funde ao verde do chão nos lembra que céu e terra não se separam — a criação artística também nasce desse entre-lugar onde o pensamento encontra matéria. E as sementes lançadas pelo personagem podem ser vistas como pontos de luz, fragmentos de sonhos, rastros de uma memória coletiva.
Composição e elementos visuais
- Figura central: O semeador aparece em gesto dinâmico, espalhando sementes com uma das mãos. Seu corpo está inclinado para frente, revelando ação, entrega e conexão com o solo.
- Vestuário estampado e chapéu: O traje remete ao campo, mas com padronagem que sugere personalidade ou ritual. O chapéu largo projeta sombra e reforça o vínculo entre homem e terra.
- Plano de fundo: Tons vibrantes de azul e verde compõem o espaço pictórico, sem delimitação concreta — evocando céu, campo e atmosfera emocional.
- Sementes em voo: Representadas por pequenos pontos, elas flutuam diante do semeador como promessas de futuro — cada uma uma possibilidade, um gesto de fé.
Interpretação simbólica
- O semeador como arquétipo: Ele não é apenas um homem do campo — é o humano que planta sonhos, que acredita no invisível e se coloca à mercê do tempo.
- O gesto de semear: Representa não apenas o ciclo agrícola, mas o ato de criar, ensinar, compartilhar. É uma coreografia ancestral, onde cada movimento está carregado de significado.
- Cores saturadas: A escolha cromática intensa amplifica a emoção da cena. O azul profundo pode sugerir serenidade, transcendência. O verde sinaliza fertilidade, esperança. É o campo como espaço emocional.
A arte contemporânea, como propõe a estética relacional de Nicolas Bourriaud, valoriza o encontro, a experiência sensível e a poética do cotidiano. Dutka, nesse sentido, nos convida a ver além da superfície, a captar no gesto simples a sua grandeza simbólica.
Esse semeador não está sozinho: cada espectador é também terreno, recebedor e devolvedor de sentidos. Ao contemplarmos a obra, nos tornamos também campo, vento e germinação....
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