domingo, 20 de julho de 2025

As Canoas de São Carlos - Da série "Um poema para Hokusai" - Flavio Dutka

As canoas de São Carlos - Da série "Um poema para Hokusai"

                                                                       "Assim como Hokusai capturava o Japão com delicadeza, Dutka captura São Carlos com exuberância."


Essa pintura, vibrante e contemplativa, faz parte de uma série que evoca Hokusai — mestre da arte japonesa que celebrava a força da natureza e o cotidiano com sensibilidade poética. Dutka, ao seu modo, homenageia essa tradição com um olhar brasileiro, traduzindo o espírito das águas para o contexto tropical de São Carlos

Temos aqui nessa obra  uma cena vibrante e estilizada de um ambiente ribeirinho amazônico, onde as cores, formas e linhas dialogam entre si num ritmo quase musical. 

Além de  valorizar a cultura ribeirinha brasileira, mostra como o cotidiano das comunidades amazônicas pode ser transformado em arte. Ao unir referências orientais com elementos locais, Dutka propõe um diálogo entre culturas e mostra que a vida simples também é cheia de beleza e poesia.

É uma obra que ensina a olhar com atenção para o entorno, para a natureza e para a importância das raízes culturais. Mais que uma paisagem, é uma homenagem à identidade amazônica.


Cores vivas e contrastantes:

A paleta cromática é intensa, composta por vermelhos, amarelos, azuis, verdes e roxos em tons saturados. Essas cores não apenas chamam a atenção, como também simbolizam a vida pulsante das margens dos rios amazônicos. O céu em azul limpo e o barranco em tons terrosos equilibram a composição.

Os contornos pretos e definidos criam uma estética que remete às xilogravuras japonesas do estilo ukiyo-e, especialmente às de Hokusai — referência explícita da série. A simplificação das formas e o traçado limpo também lembram a arte pop e a pintura modernista brasileira.

Composição e elementos visuais

  • Canoas coloridas repousam sobre a areia, cada uma em um tom distinto (amarelo, vermelho, azul, verde, roxo), criando uma harmonia cromática que remete ao espírito lúdico e à diversidade cultural do Brasil.
  • Formação rochosa ao fundo esculpida com degraus, leva o olhar para cima — como um convite à contemplação, ao ascender da matéria para o espírito.
  • Vegetação no topo da pedra sinaliza resiliência e vida que nasce de lugares inóspitos, outra metáfora recorrente na estética japonesa.
  • Céu azul e água calma sugerem serenidade e reflexão, como as paisagens de Hokusai, onde o tempo parece suspenso.

Interpretação simbólica

  • As canoas, além de instrumento de transporte, representam aqui uma travessia poética. Paradas, elas não avançam — talvez uma pausa, uma espera ou uma recordação do movimento.
  • Os degraus na rocha evocam o esforço humano para atingir o alto, talvez espiritual. É como se cada passo esculpido fosse uma tentativa de alcançar algo além.
  • A paleta saturada e quente, típica da arte brasileira contemporânea, dialoga com a natureza vibrante do país, contrastando com a contenção emocional típica de paisagens orientais. Essa fusão cria uma estética híbrida: homenagem e reinvenção.

A cena é dividida em planos bem definidos:

Primeiro plano: as canoas coloridas que dominam a parte inferior da tela.

Plano intermediário: um barranco rochoso com vegetação e degraus talhados na pedra, revelando o uso cotidiano da paisagem.

Plano de fundo: o rio largo e calmo, com margens verdes e um céu de azul profundo, que transmite tranquilidade.

As canoas em diferentes posições criam um movimento visual que conduz o olhar do observador da base da imagem até o horizonte, gerando uma sensação de profundidade dinâmica, apesar da bidimensionalidade aparente.

Podemos dizer que a presença das canoas — símbolo da vida ribeirinha — celebra o cotidiano das populações do interior do Amazonas. As cores podem simbolizar a diversidade cultural, a alegria e a resistência desses povos.

Conexão com Hokusai:

Assim como o artista japonês retratava a vida comum com poesia visual, aqui o pintor transforma uma paisagem simples em uma cena repleta de lirismo e intensidade visual. A série parece querer fazer uma ponte entre a arte oriental e o imaginário amazônico, mostrando que a beleza da natureza e da vida cotidiana pode ser universal.

Natureza e cultura entrelaçadas:

O contraste entre a solidez da pedra, a fluidez do rio e as canoas humanas representa a interação constante entre o homem e a natureza, tema central na estética oriental e também nas vivências amazônicas.

"Canoas coloridas repousam à beira do tempo, entre a rocha firme e o rio que passa. Em São Carlos, o poema não está escrito — ele navega.


 

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