terça-feira, 2 de setembro de 2025

Flávio Dutka - Da Série "Varadouros" (a caminho da escola) - Caminhos que atravessam o invisível

Acervo do autor - Flávio Dutka  - marcador e tinta acrílica sobre tela (2025)

Na série Varadouro, a artista nos convida a percorrer trilhas que não apenas cortam a mata, mas também atravessam a memória, o tempo e o sensível. Cada painel é um fragmento de floresta — não como paisagem estática, mas como organismo pulsante, onde cores saturadas e texturas pontilhistas evocam o movimento da luz, o sopro do vento e o silêncio que fala.

O termo “varadouro” carrega em si a ideia de passagem, de abertura entre o denso. É o caminho feito por quem insiste em atravessar. E é exatamente isso que a série propõe: uma travessia visual e emocional por entre árvores altas, trilhas sinuosas e clareiras que se revelam como respiros. Há uma poética do deslocamento, onde cada cena parece guardar um segredo — ou uma lembrança — à espera de quem olha.

A técnica utilizada, com pontos vibrantes e sobreposições cromáticas, transforma a natureza em linguagem. O verde não é apenas vegetação, mas desejo de permanência. O amarelo, luz que guia. O azul, sombra que acolhe. E o vermelho, talvez, o coração da mata.

Varadouro é mais do que uma série de paisagens: é um convite à contemplação ativa, à escuta do que não se diz, ao encontro com o que se perdeu — ou ainda se pode encontrar. É arte que caminha, que abre clareiras dentro de nós.

Temas centrais para destacar

Travessia e deslocamento: O varadouro é o caminho aberto na mata — uma metáfora para jornadas internas, mudanças e descobertas.

Natureza como linguagem: A floresta não é só cenário, mas personagem. Ela fala, guarda, revela.

Memória e ancestralidade: Os caminhos sugerem histórias passadas, pegadas invisíveis, heranças afetivas.

Resistência e permanência: Mesmo diante da densidade, há passagem. O mato cede, mas também protege.

Contemplação e pausa: Os tons vibrantes e a técnica pontilhista convidam à desaceleração, à escuta do silêncio.

Emoções que ressoam

Encantamento: As cores saturadas e composições evocam um fascínio quase mágico pela paisagem.

Saudade: Há uma melancolia sutil, como se cada trilha guardasse algo que já foi.

Curiosidade: O espectador é instigado a “entrar” na imagem, seguir o caminho, descobrir o que há além.

Reflexão: Os varadouros provocam perguntas: para onde vamos? O que deixamos para trás?

Pertencimento: A mata como território afetivo, como abrigo, como origem.

E,ainda:

Para embasar teoricamente a série Varadouro dentro do campo da arte contemporânea, podemos recorrer a conceitos que dialogam com paisagem como linguagem, experiência sensível, território e memória, e processos de travessia.

Travessia como método

A ideia de travessia — central na série — encontra eco na obra de Lygia Clark, que via a arte como experiência transformadora, e em Hélio Oiticica, que propunha o corpo como agente ativo na obra. Em Varadouro, o espectador é convidado a percorrer visualmente trilhas que remetem à jornada interior, à busca por sentido, à abertura de caminhos no denso da existência.

 Paisagem como linguagem

A paisagem, na arte contemporânea, deixou de ser representação naturalista para se tornar campo simbólico. Pensadores como Denis Cosgrove e Augustin Berque tratam a paisagem como construção cultural, onde o olhar molda o território. Em Varadouro, a técnica pontilhista e as cores saturadas criam uma linguagem própria — quase cartográfica — que revela o invisível da floresta: suas memórias, seus silêncios, seus afetos.

Memória e território

A série também dialoga com artistas como Rosângela Rennó e Nuno Ramos, que trabalham com a ideia de memória como matéria plástica. Os caminhos pintados por Pedro Paulo evocam não apenas deslocamentos físicos, mas trajetos emocionais e históricos, como se cada trilha guardasse vestígios de quem passou, de quem partiu, de quem permaneceu.

 Pintura como gesto contemporâneo

Em tempos de arte digital e instalações multimídia, a pintura permanece como gesto radical. Como afirma Yve-Alain Bois, a pintura contemporânea não é resistência ao novo, mas reformulação do olhar. Varadouro se insere nesse contexto: uma pintura que não ilustra, mas instiga, que não decora, mas desloca.

Numa análise descritiva da Série Varadouro temos:

Um conjunto de paisagens estilizadas que exploram a relação entre o espectador e o espaço natural por meio de trilhas, florestas e caminhos sinuosos. Cada obra é construída com uma técnica pontilhista contemporânea, onde pequenos pontos de cor vibrante se acumulam para formar texturas densas e luminosas.

Composição e estrutura

As imagens são organizadas em painéis verticais e horizontais, sugerindo sequência e continuidade, como se cada trecho fosse parte de um percurso maior.

Os elementos centrais — árvores altas, trilhas, clareiras e cursos d’água — são dispostos de forma a guiar o olhar, criando uma sensação de movimento e profundidade.

Há uma alternância entre espaços densos e abertos, que provoca pausas visuais e sugere respiros dentro da narrativa pictórica.

Técnica e cor

A aplicação pontilhista, com sobreposição de tons saturados, cria uma superfície vibrante e quase tátil.

As cores predominantes — verdes, amarelos, azuis e vermelhos — não seguem uma lógica naturalista, mas sim expressiva, evocando estados emocionais e atmosferas subjetivas.

A luz é fragmentada e difusa, como se filtrada pelas copas das árvores, criando áreas de brilho e sombra que intensificam o mistério da paisagem.

Atmosfera e sensação

As obras transmitem uma ambiência contemplativa, onde o silêncio da mata é quase audível.

Há uma tensão entre o acolhimento da natureza e o desconhecido do caminho, sugerindo que cada trilha é também uma travessia interior.

A repetição de elementos arbóreos e trilhas reforça a ideia de ritual e persistência, como se o ato de caminhar fosse também o de recordar, resistir ou buscar.


Entre folhas e silêncio,o caminho se revela,não como destino,

mas como desejo de permanecer.