domingo, 15 de abril de 2012

O Enterro do Conde de Orgaz - El Greco -1586/88

O Enterro do Conde de Orgaz (El entierro del Señor de Orgaz)
El Greco, 1588 - óleo sobre tela 480cem x 360cm

*wikipedia

"Primeiramente vamos entender quem foi o Conde de Orgaz:  Gonzalo Ruiz de Toledo era Senhor de Orgaz (e não conde, pois a vila de Orgaz não foi condado até 1522) foi um homem piedoso e benefeitor da paróquia de Santo Tomé, sendo a igreja reedificada e ampliada em 1300 .Ao falecer a 9 de dezembro de 1323 (outras fontes em 1312) deixou em seu seu testamento uma exigência que deviam cumprir os vizinhos da vila de Orgaz:
Cquote1.svg pague-se cada ano para o cura, ministros e pobres da paróquia 2 carneiros, 8 pares de galinhas, 2 odres de vinho, 2 cargas de lenha, e 800 maravedis Cquote2.svg
Passados mais de 200 anos, em 1564, o pároco da igreja de Santo Tomé, Andrés Núñez de Madrid, advertiu o descumprimento por parte dos habitantes da localidade toledana a continuarem entregando os bens estipulados no testamento do seu Senhor e reclamou frente da chancelaria de Valladolid.Ganhou o pleito, em 1569, e recebeu o retido (soma considerável pelos muitos anos não pagos) e quis perpetuar para as gerações vindouras o conde, Senhor da vila de Orgaz encomendando o epitáfio em latim que se encontra aos pés do quadro, na que além do pleito empreendido pelo pároco relata o acontecimento prodigioso que aconteceu durante o enterro do Senhor de Orgaz, dois séculos antes.


Para presidir a capela mortuária do Senhor de Orgaz, D. Andrés Núñez de Madrid, encarregou o trabalho a um pintor freguês, que naquele tempo vivia, de aluguel, a poucos metros dali, nas casas do Marquês de Villena.
A 15 de março de 1586 assinou-se o acordo entre o pároco, o seu mordomo e El Greco no que se fixava de jeito preciso a iconografia da zona inferior da tela, que seria de grandes proporções. Pontualizava-se da seguinte maneira :
"...na tela tem-se de pintar uma procissão, (e) como o cura e os outros clérigos que estavam fazendo os ofícios para enterrar a D. Gonzalo Ruiz de Toledo senhor da Vila de Orgaz, e baixaram Santo Agostinho e Santo Estevão para enterrarem o corpo deste cavaleiro, um segurando-o da cabeça e o outro dos pés, deitando-o na sepultura, e fingindo ao redor muitas pessoas que estava olhando e em cima de tudo isto tem-se de fazer um céu aberto de glória ..."
.
Portanto observando a tela acima vemos na parte inferior na tela o centro  ocupado pelo cadáver do senhor Orgaz , que vem a  ser depositado com toda veneração e respeito no seu sepulcro. Para tão solene ocasião baixaram os santos do céu : o bispo Santo Agostinho, um dos grandes pais da Igreja, e o diácono Santo Estevão (post abaixo - já interpretado), primeiro mártir de Cristo.

Na parte superior, o pintor descreve o céu, a vida feliz dos bem-aventurados. Aparece Jesus Cristo glorioso, luminoso, vestido de branco, entronizado como juiz de vivos e mortos, com misericórdia, como o amostra o seu rosto sereno e a sua mão direita que manda no apóstolo Pedro, que abra as portas do céu para a alma do conde defunto.

 Na parte inferior ( no detalhe abaixo) , encontramos a cena do enterro. O luto e a seriedade nos semblantes destaca-se acima de tudo. Todos os lábios estão selados. Contrasta o tropel com o que se situam as personagens, com a ordem da parte superior. Alguns rostos não estão completos. Podemos distinguir entre as personagens em primeira fileira e a própria de cavaleiros num posterior plano.

  Observe os personagens na cena acima:

  • A criança (canto inferior esquerdo): El Greco retratou o seu filho no´“O Enterro”, vestiu-o de traje de gala.Mas a criança parece  não seguir a cerimônia com a atenção dos adultos . Pelo que parece, o jogo da criança é reparar sobre a flor da dalmática de Santo Estevão e assinalar-no-la apontando o dedo. Do seu bolso sai um papel no que se lê “Domenico Theotocopúli 1578”.
  • Santo Estevão (canto inferior esquerdo ao lado do menino). Ajuda levar  o Senhor de Orgaz ao sepúcro - à nossa esquerda. É o primeiro mártir da Igreja. Representado por um jovem com túnica  diaconal na qual leva bordada a cena do seu próprio martírio, fazendo contraste com as pretas vestiduras dos cavaleiros. Na sua vestimenta  El Greco representa a cena do próprio martírio de Santo Estevão.
  • O Senhor de Orgaz. Gonzalo Ruiz de Toledo nasceu nesta cidade em meados do século XIII, foi senhor da vila de Orgaz, prefeito de Toledo e notório maior do rei Dom Sancho o Bravo. É representado com a sua armadura de aço brunido; figura no lugar central inferior do quadro. Vai ser depositado no sepulcro. Sua alma aparece no quadro como se fosse um suspiro introduzido no céu por um canal de nuvens. Cabe destacar-se as ricas adornos pintados sobre a armadura. Aqui El Greco prescindiu de sobriedade.
  • Santo Agostinho ( à nossa direita) : É um dos Padres da Igreja. Vestido , neste caso, com rica roupagem litúrgica de bispo bordada em ouro, tocado com mitra, também bordada. Na iconografia católica é fácil reconhecer a Santo Agostinho, como ancião, com a sua barba, o seu báculo –que nesta ocasião não leva- e a sua capa. A riqueza da sua capa permite observar que o pintor retratou –de  cima para baixo- a são Paulo, Santiago Maior e santa Catarina de Alexandria. É demonstrado que o rosto de Santo Agostinho corresponde ao do Cardeal Quiroga.
  • Cura com roquete (de veste branca): De costas não leva em conta o próprio enterro, contemplando –sem dúvida- como a alma se introduz no céu. Também não é o sacerdote que celebra o enterro. Acredita-se que fosse Pedro Ruiz Durón, ecônomo da paróquia.
  • Cura que celebra o responso (à direita com o livro na mão): Figura revestido como tal, com capa pluvial negra com dourados. Na capa observa-se um retrato de São Tomé com esquadra de carpinteiro, uma caveira negra. Sem dúvida, deve representar Dom Andrés Núñez de Madrid, o pároco de Santo Tomé que encarrega a obra a El Greco.
  • Personagem que porta a cruz processional. Parece que o rosto corresponde com o beneficiado da paróquia de Santo Tomé Rodrigo de la Fuente.
  • AGORA OBERVE A PARTE CELESTIAL - ALTO DO QUADRO

Na parte superior persiste a necessária seriedade do momento, rodeados de nublado. Corresponde à construção imaginativa de poetas e artistas. As formas características de El Greco acentuam a beleza do ultraterreno; o tom frio e ao mesmo tempo intenso e deslumbrante da cor e a iluminação sublinham a pertença a outro âmbito.
  • Anjo central: Na parte central do quadro aparece o anjo que “se faz cargo” de alma do Senhor de Orgaz (no alto - lado esquerdo), e segurando-a a introduz, entre nuvens, na presença celestial. A alma é representada como uma crisálida, com a forma de criança.
  • Jesus Cristo: No lugar com mais luz do quadro. Aparece de forma gloriosa, vestido de branco, como juiz de vivos e mortos, como ordenando a São Pedro (em amarelo com as chaves) que abra as portas do céu.
  • A Virgem: Seu gesto é como de acolher maternalmente o Senhor de Orgaz que chega ao céu.
  • Os bem-aventurados da parte direita. Olham para Jesus Cristo. Aparece o apóstolo Paulo (de cor  violeta), Santiago Maior, São Tomé – titular da igreja e com a esquadra, a verde e amarelo-. Na fila que começa S. Tomé, encerra-a Filipe II (que na ápoca não falecera ainda e ao que se quis mostrar como uma falta de ressentimento do pintor pelo monarca que o desdenhara). 
  • Grupo tênue.: Sob os bem-aventurados, há um trio de tênues figuras(canto superior direito), formado por um homem nu e duas mulheres, uma das quais é Maria Madalena, pelo seu frasco de perfume, a outra mulher poderia ser, em boa lógica, Marta. E o homem, seguindo com o tema, Lázaro. Outros falam desta personagem como o de S. Sebastião.
  • São Pedro. À esquerda, de amarelo e com as inequívocas chaves na sua mão.
  • Os personagens da parte esquerda. Somam-se à contemplação os principais personagens do Antigo Testamento : O rei David, com a sua harpa; Moisés, com as tábuas da lei e Noé, com a arca.
  • Anjo jogando à direita. Sem querer olhar para baixo.
  • Almas de crianças à esquerda
 O quadro representa as duas dimensões da existência humana : embaixo a morte, em cima o céu, a vida eterna. El Greco plasmou no quadro o horizonte da vida frente da morte, iluminado por Jesus Cristo.

No detalhe o rosto de Orgaz

 Entre o céu e a terra, o laço de união é a alma imortal do senhor de Orgaz, figurada como um feto que é levado para o céu por mãos de um anjo, através de uma espécie de vulva materna que dará à luz a vida eterna do céu. A morte aparece bem como um parto para a luz eterna na qual vivem os santos. Transe doloroso, mas cheio de esperança.


A mãe de Jesus Cristo, a Virgem Maria, acolhe maternalmente a alma do senhor que chega até o céu. Neste parto à vida eterna, Deus confiou a Maria a tarefa de mãe.Os bem-aventurados olham fascinados e adorantes para Jesus Cristo.




O conjunto do quadro convida à contemplação do mistério da morte. E até mesmo quando tem de traspassar o limiar da morte, não o faz em solitário, mas junto a ele para lhe ajudar está Jesus Cristo, redentor do homem, a sua Mãe, e todos os santos do céu. "






sexta-feira, 6 de abril de 2012

O Martírio de santo Estêvão - Rembrandt - 1625

Rembrandt  - O Martírio de Santo Estêvão .1625

 Rembrandt Harmenszoon Van Rijn foi um importante pintor e gravador holandês. É considerado um dos mais importantes pintores do barroco europeu. Nasceu em 15 de julho de 1606 na cidade de Leiden e faleceu em Amsterdam em 4 de outubro de 1669.

Rembrandt usava  variadas temáticas em suas gravuras como cenas bíblicas, mitologia, paisagens, nus, retratos e outras mais, idem às suas pinturas; embora os auto-retratos sejam mais comuns neste tipo de arte. A fase onde realizou a maior quantidade de gravuras iniciou-se em 1636 e durou cerca de 20 anos. Muitas delas permanecem até hoje, algumas sendo encontradas no Museu Rembrandt, em Amsterdã. Gravuras estas que percorrem o mundo em exposições temporárias, a fim de que outros possam apreiar as obras do grande mestre.

Rembrandt  pintou  seu primeiro quadro -    O Martírio de Estêvão -  aos 19 anos , o que sem dúvida  é um dos episódios mais tristes relatados na Bíblia. Um homem inocente é levado a julgamento devido a falsas acusações. Recebe a oportunidade de fazer uma breve defesa e é imediatamente executado por apedrejamento. A história torna-se ainda mais triste ao lermos na Palavra de Deus que Estêvão era um “homem cheio da graça e do poder de Deus, [quel realizava grandes maravilhas e sinais entre o povo” (Atos 6:8). Estêvão era o tipo de pessoa benquista na sociedade, mas teve a infelicidade — ou felicidade para alguns — de viver num período de grande revolta. A repercussão da morte de Jesus estava apenas começando a ser sentida. Os judeus estavam determinados a eliminar todos os membros da “seita” que cria em Cristo e em Sua ressurreição. Estêvão fazia parte desse grupo e fazia questão de não esconder sua crença.Deus concedeu a Estêvão uma visão em que contemplou Jesus à direita do Pai, cheio de vida e de poder real. A visão confortou o humilde servo de Deus na hora em que mais precisou. A ressurreição não era mais uma verdade abstrata que ouvira, mas tornou-se um fato. Estêvão foi capaz de suportar o momento de maior dor de sua vida porque contemplou o Salvador.

 Observe que a luz incide em cheio em Santo Estevão e nos homens que o estão apedrejando, ressaltando assim as suas expressões, mostrando todos os sentimentos e reações ocorridas na cena, destacam-se como é habitual nesta época, as anatomias escultóricas e os seus músculos em tensão. O movimento e o dramatismo da cena, são sem lugar de duvidas elementos de estilo barroco Estêvão era judeu da diáspora e morava em Jerusalém. Fazia parte dos sete diáconos que haviam sido encarregados pelos Apóstolos de assistirem os necessitados da comunidade. Seu nome em grego significa “coroa”, e evoca a idéia de martírio, porque nos séculos a seguir a coroa foi símbolo do martírio. Sua paixão é de fundamental importância porque não tem nada de fabuloso ou lendário.  

O   martírio deu-se fora da porta de Damasco , ao norte da cidade de Jerusalém  , ao lado de uma estrada onde surge agora precisamente a Igreja de Saint-Étienne ao lado da famosa École Biblique dos Dominicanos.  Era um lugar aberto, circular, em cujo centro se achava uma pedra, sobre a qual se ajoelhou o santo moço, rezando, com as mãos erguidas. Vestia uma longa veste , arregaçada, sobre a qual pendia, no peito e nas costas, uma espécie de escapulário, com duas fitas transversais; creio que era uma parte das vestes sacerdotais. Procederam no apedrejamento em certa ordem; em volta do lugar haviam juntado pedras, ao pé de cada um dos apedrejadores.


 Santo Estêvão foi o primeiro mártir do Cristianismo, sendo considerado santo por algumas das denominações cristãs (católica, ortodoxa e a anglicana). É celebrado em 26 de Dezembro no Ocidente e em 27 de Dezembro no Oriente por tais denominações. Ele também está listado entre os Setenta Discípulos.
A história de Estêvão diz-nos muitas coisas. Por exemplo, ensina-nos que nunca se deve separar o compromisso social da caridade do anúncio corajoso da fé. Era um dos sete encarregados sobretudo da caridade. Mas não era possível separar caridade e anúncio. Assim, com a caridade, anuncia Cristo crucificado, até ao ponto de aceitar também o martírio. Esta é a primeira lição que podemos aprender da figura de Santo Estêvão: caridade e anúncio caminham sempre juntos.
Sobretudo, Santo Estêvão fala-nos de Cristo, do Cristo crucificado e ressuscitado como centro da história e da nossa vida. Podemos compreender que a Cruz permanece sempre central na vida da Igreja e também na nossa vida pessoal. Na história da Igreja nunca faltarão a paixão, a perseguição. E precisamente a perseguição torna-se, segundo a célebre frase de Tertuliano, fonte de missão para os novos cristãos. Cito as suas palavras: “Nós multiplicamo-nos todas as vezes que somos ceifados por vós: o sangue dos cristãos é semente” (Apologetico 50, 13: Plures efficimur quoties metimur a vobis: semen est sanguis christianorum). Mas também na nossa vida a cruz, que jamais faltará, se torna bênção. E aceitando a cruz, sabendo que ela se torna e é bênção, aprendemos a alegria do cristão também nos momentos de dificuldade.

 O valor do testemunho é insubstituível, porque a ela conduz o Evangelho e dela se alimenta a Igreja. Santo Estêvão ensina-nos a valorizar esta lição, ensina-nos a amar a Cruz, porque ela é o caminho pelo qual Cristo vem sempre de novo entre nós.